segunda-feira, 28 de março de 2011

Qual é o real tamanho do PCC?

Durante seis anos e meio, Nagashi Furukawa comandou a Secretaria da Administração Penitenciária de São Paulo. Ele pediu demissão em maio de 2006, depois dos ataques do autoproclamado Primeiro Comando da Capital (PCC). Além de secretário de Estado, Furukawa trabalhou como delegado, promotor, juiz e diretor do Departamento Penitenciário Nacional. Atualmente dedica-se à advocacia. Aos 60 anos, Furukawa é um dos maiores especialistas do país em gestão de presídios e profundo conhecedor das entranhas do PCC. A convite de ÉPOCA, ele assistiu ao filme Salve Geral, um longa-metragem inspirado nos ataques que aterrorizaram São Paulo e que o levaram a pedir demissão.

ÉPOCA – Como o senhor avalia Salve Geral?
Nagashi Furukawa - O filme é muito bem-feito, bem dirigido. Tinha ouvido comentários de que haveria um glamour em torno da organização criminosa, mas não avalio dessa forma. Claro que aqueles que são mostrados no final como os presos líderes do PCC, aparentemente, ficam numa situação de sucesso. Por outro lado, a Ruiva (interpretada pela atriz Denise Weinberg) tem um final muito triste. E ela era uma das principais lideranças. Algumas coisas mostradas no filme aconteceram, mas de maneira diferente. É uma obra de ficção. Vale a pena assistir.


ÉPOCA – O filme mostra um diálogo em que Marcola provoca as autoridades...
Furukawa - Isso é fato. Marcola disse ao então diretor do Deic (Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado) Godofredo Bittencourt: "Eu posso matar vocês. Mas vocês têm de me proteger. Vou escurecer São Paulo. Pode colocar suas tropas nas ruas porque vou colocar as minhas. Vamos ver quem pode mais".


ÉPOCA – O que o Estado perdeu com a crise de 2006?
Furukawa - A maior perda foram as vidas - policiais, bombeiros e agentes penitenciários foram mortos. Os danos materiais (decorrentes das rebeliões em 74 unidades prisionais) também não foram desprezíveis. A crise deveria ter servido para que o Estado repensasse a questão da segurança pública e dos presídios, mas esse objetivo não foi alcançado. Tudo continua mais ou menos como antes.


ÉPOCA – Quais foram os efeitos dos ataques para o PCC?
Furukawa - Mais de 700 líderes da facção criminosa que foram transferidos no dia 11 de maio de 2006 para Presidente Venceslau continuam lá - certamente em condições de maior rigor e isolamento do que nas outras penitenciárias. Isso foi uma perda para eles. O PCC não teve nenhum lucro. Eles não conseguiram derrubar o RDD (regime disciplinar diferenciado, em que o detento fica isolado cerca de 22 horas por dia e sem acesso a visita íntima, TV e rádio) e nem diminuir o rigor em Presidente Venceslau. Os presos devem ter refletido: "o que ganhamos com esse barulho todo?". Os criminosos não são burros, certamente concluíram que um novo movimento como o de 2006 pode levar dezenas de companheiros deles à morte e que não teriam vantagem nenhuma.


ÉPOCA – E Marcola?
Furukawa - Por determinação minha, ele foi transferido para o RDD no dia 13 de maio de 2006 (o isolamento durou 1 ano). Soube que, atualmente, Marcola não é mais visto andando no pátio da penitenciária cercado por vários outros presos. Ele tem sido visto andando acompanhado de um ou dois e sem ser abordado pelos demais. Isso pode indicar que a liderança dele não é mais tão forte e que o poder estaria diluído.


ÉPOCA – Isso é bom?
Furukawa - Creio que o poder muito diluído é pior porque cada um pode começar a tomar decisões da sua cabeça e fazer coisas meio malucas. O ideal é que não tivéssemos nada disso. Mas se é um mal com o qual temos de conviver, seria bom que as coisas não fossem decididas de uma forma muito irresponsável também do lado da organização criminosa. Decisões tomadas de forma minimamente racional seriam mais previsíveis.


ÉPOCA – Por que, aparentemente, o PCC está numa fase de calmaria nos presídios?
Furukawa - Muitas pessoas tentam passar a impressão de que antes os presos se rebelavam porque as condições nos presídios não eram boas. Mas, atualmente, são muito piores por causa da superlotação. Há muito menos espaço agora. Por que será que os presos se rebelavam tanto quando tinham um secretário que era considerado liberal (o próprio Nagashi Furukawa) e não se rebelam quando tem rigor (nas gestões seguintes, de Antonio Ferreira Pinto e Lourival Gomes)? Será que é com rigor que está sendo mantido o controle? Ou será que é exatamente o contrário, o rigor era maior antes?


ÉPOCA – Polícia e Ministério Público costumam dizer que pelo menos 90% dos presos do Estado de São Paulo estão sob a influência do PCC. Qual é o tamanho da facção?
Furukawa - O PCC não é do tamanho que dizem. Em maio de 2006, havia cerca de 142 mil presos em São Paulo. Das 144 unidades existentes no Estado, 74 se rebelaram - praticamente a metade. Só por aí dá para ver que essa informação não procede. Também não se pode considerar que numa penitenciária rebelada, 100% sejam do PCC. Entre os presos, 1% tem envolvimento sério com organizações criminosas, PCC ou não.


ÉPOCA – As razões da crise de maio de 2006 estão mais claras atualmente?
Furukawa - Durante e depois da crise grande parte das discussões e das matérias da imprensa foram para saber se o governo de São Paulo tinha feito algum acordo com os presos. Quando deveriam ser "por que chegamos a esse ponto?". A causa imediata da crise foi a transferência dos 765 presos de diversos pontos do Estado para Presidente Venceslau. Mas as causas remotas são muitas. Talvez a principal seja o crescimento da facção criminosa dentro e fora dos presídios. Se o PCC não estivesse nas ruas, os ataques não teriam acontecido.
ÉPOCA – Por que o PCC cresceu tanto?
Furukawa - Só na minha gestão o número de presos no Estado de São Paulo cresceu de 60 mil para 125 mil. Então, nesse período o PCC deve ter dobrado de tamanho. Mas não é só isso. As nossas penitenciárias são grandes demais. Para que os presos fossem observados, elas teriam de ser pequenas. Nesses casos, lideranças negativas em ascensão podem ser rapidamente detectadas e retiradas para que não contaminem os demais. O tamanho dos presídios foi o principal fator do crescimento do PCC.

ÉPOCA – As penitenciárias, em geral, são ambientes instáveis?
Furukawa - São. Qualquer coisa pode desestabilizá-las. Um ato de injustiça contra um preso bem-quisto ou líder pode desencadear uma rebelião. Se, por exemplo, um funcionário tiver a infelicidade de dar um tapa no rosto do preso na frente dos outros haverá rebelião. As penitenciárias de São Paulo foram concebidas e estão administradas com base no fundamento de que é possível a convivência pacífica entre presos e funcionários. Elas não foram construídas para uma convivência belicosa - a não ser a de Presidente Bernardes, onde há o RDD, e a de Presidente Venceslau, que foi adaptada. Numa penitenciária comum, se um dos lados quebra o fundamento da convivência, basta um estalar de dedos para cadeia virar. Os funcionários e os presos ficam o tempo todo no fio da navalha. Mas a grande maioria não deseja confusão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário