segunda-feira, 28 de março de 2011

Autoridades investigam ligação entre CV e PCC

A ligação das duas organizações criminosas mais perigosas do país, o Comando Vermelho (CV), do Rio, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), de São Paulo, está sendo investigada pela Polícia Federal, pelo Ministério Público Estadual e pela Polícia Civil de São Paulo. O relacionamento dos grupos é tão estreito que o PCC virou fonte de inspiração para o CV, que criou um estatuto nos moldes do que rege a facção paulista. O delegado Alberto Pereira Matheus, do Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic), que participou de seis meses de investigações para identificar os chefes do PCC e seus crimes, conta que a permanência em Bangu 1, por alguns meses, de César Augusto Roris da Silva, o Cesinha, e de José Márcio Felício, o Geleião, líderes do PCC, foi "fundamental" para firmar a relação e os negócios entre as duas facções criminosas. As 470 horas de gravações das conversas por telefone dos integrantes do PCC e do CV revelam as relações entre os chefes dos dois grupos. As fitas estão em poder do Deic e do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público. Um desses negócios é a compra e a venda de armas. Num dos telefonemas, o assaltante Reginaldo Almeida Danelluci, o Neguinho, que cumpria condenação na Penitenciária do Estado, no Carandiru, acerta com um traficante preso em Bangu 1 a vinda de armas do Paraguai. Danellucci foi denunciado pelos promotores Roberto Porto e Márcio Christino, do Gaeco, no processo que apurou a atuação do PCC em São Paulo. Também foi enquadrado em crimes de extorsão tráfico de drogas, homicídio, venda de armas e atentados a bomba. "A sociedade entre o PCC e o CV no tráfico, nos assaltos e na venda de armas está sendo investigada. Os indícios são fortes, mas até agora temos apenas conversas", admitiu Christino. Quando estavam recolhidos em Bangu 1, Cesinha e Geleião usaram o celular de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. Os telefones do bandido ficavam em poder de Marcos Marinho dos Santos, o Chapolim, que foi encarregado pelo traficante para comprar um míssil. Chapolim selecionava as pessoas que poderiam falar com Beira-Mar. "Nós estivemos no Rio e, com autorização da Justiça, grampeamos os telefones dos presos de Bangu 1 usados pelo PCC. Um dos celulares era utilizado pelo Comando Vermelho no período da manhã e pelo PCC à tarde. Da cadeia, no Rio, Cesinha ordenava quem ia morrer e o que seria explodido", afirmou Matheus. Ainda segundo o delegado do Deic, pelas conversas gravadas deu para concluir que o PCC é mais organizado. "Os bandidos no Rio não têm o mesmo poder de mobilização que os criminosos do PCC e estão aprendendo com os paulistas." ORGANIZAÇÃO - O promotor Christino tem a mesma opinião de Matheus. "O Comando Vermelho está incorporando a dialética política do PCC, que é uma facção criminosa organizada e abrangente. E isso é preocupante. Pode espalhar para os presídios do país este sentido de organização e da prática de atos de violência e crueldade. Cesinha e Geleião já tinham feito isso no Paraná." Os dois criminosos estão recolhidos atualmente com os demais chefes do PCC na prisão de segurança máxima de Presidente Bernardes, no interior paulista. Eles cumpriram condenação em Bangu 1 a pedido do governo de São Paulo. Apesar de estarem distantes, continuaram chefiando a organização criminosa. Por isso mesmo o governo pediu a volta deles a São Paulo para mandá-los a Presidente Bernardes. Uma das provas concretas da chegada do Comando Vermelho a São Paulo foi a descoberta, há duas semanas, da quadrilha do traficante Claudair Farias, que se diz "compadre" de Beira-Mar e sócio dele no transporte e na venda de cocaína da Colômbia para o Brasil. Os sítios e chácaras alugados na Grande São Paulo e no interior para refinar cocaína, empacotá-la e distribuí-la teriam sido negociados por Claudair em sociedade com Beira-Mar. O delegado Ivaney Cayres de Souza, diretor do Departamento de Investigações sobre Narcóticos (Denarc), declarou que Claudair vendia em São Paulo 1 tonelada de cocaína por mês. "Estamos investigando as propriedades da quadrilha e não temos dúvida que Beira-Mar estava presente no interior de São Paulo pelas mãos de Claudair", afirmou Souza. O objetivo do PCC e do CV é criar o Partido da Comunidade Carcerária para agir em todo o país, dentro e fora das prisões. Para montar o grupo criminoso, o PCC designou em São Paulo o assaltante de bancos Júlio César Guedes de Moraes, o Julinho Carambola, preso em Presidente Bernardes. No Rio, o CV indicou William da Silva Lima, o Professor, criador do primeiro CV, que cumpre condenação de 60 anos em Bangu 3. Entre as reivindicações a serem feitas pela nova facção criminosa, em âmbito nacional, estão o direito de voto do preso, o retorno dos detentos aos seus Estados de origem, dez visitas por mês para cada preso, desativação dos presídios de segurança máxima, criação de comissão para fiscalizar tortura e abusos no sistema carcerário e anistia para os presos que estão cumprindo mais de 15 anos sem nunca terem obtido qualquer benefício da Lei das Execuções Penais. A Polícia Federal está tentando identificar nos outros Estados os presos indicados pelo CV e pelo PCC para estruturar e montar o grupo. No Rio, a nova organização está sendo investigada pelo Serviço de Inteligência da Polícia Civil e pelo Departamento de Sistema Penitenciário (Desipe). O Ministério Público do Rio apura também as novas normas adotadas nas prisões pelo Comando Vermelho. Um estatuto do CV foi elaborado em 2 de fevereiro e uma cópia, apreendida por promotores durante blitz em Bangu 1, antes da rebelião de 11 de setembro, quando quatro presos foram mortos. O estatuto Comando Vermelho, Liberdade, Respeito, Lealdade, Justiça e União foi adaptado com mudanças de comportamento. As normas aplicadas são parecidas com as adotadas pelo PCC nas prisões de São Paulo. O parágrafo 10.ª diz: "Temos que ter um ideal e em Bangu 1 transformar como castigo o tempo determinado de somente seis meses como ocorre em Taubaté, São Paulo. Deixamos claro a nossa amizade pelo PCC". O item 2º recomenda: "Todos da organização ficam cientes que a prioridade é a liberdade, o resgate, a tomada na rua, em delegacias, fóruns, sem discriminação, para a liberdade a qualquer custo". Lembra aos integrantes do CV que eles devem ajudar na liberdade "dos amigos" e adverte: os que usarem o nome do CV para "fins próprios" serão condenados à morte sem perdão. O CV cobra ajuda e ameaça: "A organização é bem clara. Aqueles amigos que tem (sic) condições na boca (ponto-de-venda de drogas) e não ajudam os que trabalham para eles e nem ajudam o coletivo prisional serão substituídos. Temos que dar exemplo para os amigos mais jovens que estão chegando na organização". Os autores do estatuto avisam que não querem tóxicos, "pó" (cocaína). Querem material de higiene, advogados, remédios, roupas, calçados, alimentos. CONTABILIDADE - Além da cópia com as novas normas para os seguidores do CV, o Ministério Público apreendeu documentos com uma pequena contabilidade dos presos de Bangu: movimentação de dinheiro, nomes e apelidos dos presos responsáveis pela cobrança. Nas circulares dirigidas aos detentos, distribuídas todo começo da semana, os coordenadores do CV orientam a "massa" e escrevem palavras de incentivo: "O mal jamais vencerá o bem." "Muita fé em Deus para todos nós". "Fé em Deus, nas crianças e rua já para todos." "Nós vivemos num lado certo de uma vida errada." "Se eu avançar, siga-me; se eu recuar, mate-me; se eu morrer, vingue-me, pois somos gerrilheiros do Comando Vermelho." Entre as recomendações, os chefes do CV orientam os presos em Bangu para que tomem cuidado quando fizerem acusações sem provas. "O castigo para quem mente na maioria das vezes é a morte." Os agentes penitenciários são chamados pelos presos de "bruxos" e os líderes do CV pedem que sejam bem tratados porque compram remédios e facilitam "as coisas". Na contabilidade há registro de saída e entrada de dinheiro para pagamento de lanches, telefonemas, passagens de ônibus e de trem para os familiares dos detentos nos dias de visita. O Comando Vermelho estabeleceu para os detentos de Bangu dez mandamentos que a "massa" deve seguir. São eles: não negar a pátria, não cobiçar a mulher do próximo, ser humilde, fortalecer os caidinhos, eliminar os inimigos, não acusar sem provas, não conspirar, não alcagüetar, não matar em vão, ser coletivos.

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